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cisco

Texto da professora Eliane Oliveira - 15/10/22


Caiu um cisco. Doeu. Cisco é uma partícula minúscula de poeira que entra nos olhos. Incomoda. Corta. Subverte. Não me lembrava e, de repente, me lembro de que tenho olhos. A visão, que sempre esteve ali, acostumou-se sem que eu a notasse. Dor de cisco abre a visão sobre a visão. Os olhos, agora com a consciência de olhos, desejam ser olhos. Do que concluo que cisco é melhor que colírio para visão cega que pensa que vê. Ele devolve os olhos para os olhos. Ver, depois da passagem de um cisco, é nascimento. Re-visão. Vemos como se nunca tivéssemos visto. Foram os ciscos que instituíram a dúvida metódica e a dialética da história: será que um dia vimos, que agora vemos, que amanhã veremos? O olho que via (tese) deixou de ver (antítese) para re-ver (síntese). Foram os ciscos os mestres que inspiraram o ensinamento dos mestres: “tire primeiro a trava do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do olho do seu irmão”. São os ciscos que derrubam a visão pretensamente sabida e alcançada para devolvê-la à experiência de ser provisória, ignorante e imprecisa. São os ciscos que desmancham a arrogância, o cinismo e a soberba para nos devolver à incompletude, aos olhos mansos dos sempre principiantes. As mãos que agem guiadas por olhos que veem-revendo apontam para céu 'vendo' a lua. E não os dedos.


Por isso, minha nova bandeira política é: mais ciscos para os olhos. Mais poeira, mais vento e mais olhos doendo, ardendo e caóticos. Lutarei pelos ciscos para que eles nos salvem do nosso desejo da cegueira.

Salvem os ciscos!

Salve os ciscos!

Salvem-nos, ciscos!

...

No dia dos professores, saúdo professores que são sempre alunos e principiantes. Esses abraçaram os seus ciscos e ensinam seus alunos a abraçarem os deles. Há 12 anos, sou professora de Yoga. Antes, disso fui professora de sociologia e antropologia no ensino médio e superior. Do que aprendi que nada sei. “Procuro despir-me do que aprendi, esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me e ser eu.” OM Sri Gurubyo Namah (salve tds os mestres)

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